terça-feira, março 24, 2015

Sobre meu espaço no mundo

Eu vivo olhando aviões. Aviões passam sempre por aqui. Uns mais baixos, outros bem lá no alto. Morro de medo de todos eles. Meu pensamento funciona da seguinte forma: se eu entrar num avião, é bem provável que eu morra; tipo 99% de chance de morrer e um mísero por cento de sair viva. Tudo isso sabendo que "o avião é o meio de transporte mais seguro", como eles dizem.

Vivo lendo sobre aviões. Aviões fazem parte do plano central do meu futuro. E não bastasse toda a tensão da viagem, do pensamento da turbulência, de ficar sem ar dentro da cabine, de o avião cair e explodir ao se chocar com a água, tem a gordura  sempre tem.

"Gordinhas são barradas em voo nos Estados Unidos"
"Passageiro gordo não cabe na cadeira da American Airlines"
"Obesos pagarão por 2 poltronas em aviões"
"Obeso é recusado em avião, navio e trem"

Essas são só algumas manchetes. Fora o tipo de comentário babaca que se lê por aí:

"O gordo(a) quer sentir prazer comendo até se acabar. Para que algumas pessoas comam demais, outras tem que comer menos ou passar fome, como acontece com quase 1,7 bilhões de pessoas no planeta terra que morrem diariamente por falta de comida (sugiro a leitura de “O mundo não é plano”). Como se não bastasse depois de sentirem um enorme prazer comendo, querem que as demais pessoas se solidarizem com eles e viagem espremidas nos seus assentos em aviões, metrôs e etc. Aliás, no metrô de SP já há vergonhosos assentos para gordos (as). Depois de tudo isso, ainda pagamos a conta deles no SUS, os miseráveis comem, ficam gordos (as), adoecem de tanta gordura e os demais pagam a conta através de seus descontos salariais destinados ao INSS, sem contar que muitas pessoas deixam de ser atendidas na saúde pública, porque na fila tem um (a) gordo(a) na frente porque passou a vida enchendo a pança de porcaria e depois vai procurar o doutor. Daqui a 300 anos estou certo que tem terá direitos e privilégios são aqueles que cuidam da saúde e não os que a negligenciam. Gordos e gordas fechem a boca e mexam o corpo, o planeta e a civilização agradecem." (Comentário em Blog do Turismo)

Pra que tanto ódio?

Ainda bem que há gente sensata, também:

"A obesidade, principalmente a mórbida, é fruto de patologias, senão físicas, psicológicas. Ninguém quer ser gordo, apenas não consegue controlar seu peso. Não cabe à ninguém julgar o motivo nem mesmo querer que a pessoa pague a mais para poder viajar." (Comentário em Blog do Turismo)

Houve um tempo da minha vida, que eu só andava de trem. "Eu prefiro trem! Adoro tem."  Inverdade. Eu adoro trem, verdade, mas o motivo real era: eu entalei sério uma vez numa roleta de ônibus e, desde então, nunca mais tinha sido a mesma.

O causo da roleta aconteceu quando eu tinha uns... 15 ou pouco mais anos. Estava com minha mãe, estávamos voltando do shopping. Nem ela, nem eu: as duas empacaram bem no meio da rodada e foi difícil  e doloroso, não só fisicamente  conseguir terminar de rodar. Vergonha demais.

Andava em ônibus conhecidos, que já sabia que passaria, sem problemas. Um dia, tive que embarcar num outro ônibus e cheguei a ficar com os olhos inundados de medo. Totalmente abalada, coração disparado, tremedeira, à beira de um colapso nervoso. Consegui passar, mas fiquei tentando me acalmar daquele desespero a viagem inteira. Falando em pensar nisso a viagem inteira, jamais pegava aqueles ônibus com uma porta só! Isso significaria a exaustão em torno da roleta duas vezes! Pouco antes de entrar no ônibus, acredito, sofria um efeito baiacu. Tinha que me concentrar em ficar muito, muito calma, pra não inflar e piorar o que já era ruim. Pra ajudar nessas ocasiões, costumava escolher uma roupa de tecido escorregadio, geralmente helanca — que detesto  pra deslizar mais facilmente. Bolsas e casacos, jamais passariam comigo. Nada que me acrescentasse uma camada extra! Se estivesse carregando um ou outro, a ordem era sempre a mesma: passava-os pra mão direita, colocava a mão direita do lado de lá da roleta, espremia a barriga e rodava, de lado. Depois de um tempo, aprendi os truques. Sempre me ajudava. Encolhia a barriga, ficava na ponta do pé e, se fosse uma roleta com um espaço aberto atrás, encaixava a bunda ali  me rendia espaço.

Passei um tempo pegando só os ônibus conhecidos e me abstraindo das memórias do trauma. Até que um dia, em 2008, fui passear pelo bairro da faculdade com uns amigos queridos. Bairro de gente riquinha e metida, exceto por eles, que eram gente boa. Mais uma vez, foi muito difícil rodar. Eles notaram, claro, e eu fiquei com aquela minha cara de louca envergonhada, ao mesmo tempo querendo rir histericamente, fingindo que nada tinha acontecido, ao mesmo tempo de cabeça baixa ou olhando no horizonte das ruas arborizadas, morrendo de vergonha. Daí em diante, foi mesmo só trem e metrô — e o ônibus daqui de perto, o conhecido. Aí inventaram de incluir os obesos na categoria do assento especial dos ônibus. NUNCA, JAMAIS, eu sentaria ali. Porque, claro, ninguém sabia que eu era obesa! Se eu sentasse ali, confortavelmente, todos descobririam! Mesma coisa subir pela porta de trás do busão. Jamais. Muita vergonha. Todo mundo saberia que estava subindo por ali porque não conseguia passar pela da frente. E, além do mais... "Ô, motorista! Pode abrir a porta de trás pra mim, por favor, porque entalo na roleta?" Pensa na humilhação. Tudo isso mudou quando eu emagreci os 35kgs e comecei a andar por todos os ônibus que podia, tirando uma onda que só eu sabia. Hoje também sento no banco de obesos, sem nenhum complexo, na maioria das vezes (mas me faço caber em só um pouco mais da metade do banco, pra mostrar que sou magrinha— "Sou obesa, mas não sou das piores, tá? Olha esse espaço todo pra uma pessoa malnutrida aqui do meu lado! :D").

Eu entendo bem de viajar mal em trem, metrô, ônibus comum, ônibus de viagem (além de gorda, é alta e o infeliz da frente sempre quer inclinar o banco pra ficar confortável, enquanto eu vou criando um câncer no banco de trás, irritadíssima e calada sobre meus joelhos massacrados)... eu entendo bem de tudo que vai mal para gordos. Mas avião, não.

"Ajeitar-me no banco foi uma tarefa relativamente fácil para um gordo acostumado com o design cruel dos assentos de avião. O primeiro passo é deixar o cinto de segurança sobre os braços da cadeira antes de sentar. Depois, ir já de costas na direção de sua poltrona para, com todo cuidado do mundo, ajeitar-se no pequeno espaço. Em seguida, o cinto deve ser estendido até o limite máximo, a barriga deve ser “puxada” e, com sorte, o cinto entra de primeira. Depois, é só ajeitar o tamanho correto e verificar se continua sendo possível respirar." (Texto em Papo de Gordo)

Todos dizem que poltrona de avião (Classe econômica, é claro! Jamais vou pagar 17 mil numa viagem!) é extremamente pequena e desconfortável. Eu fico pensando... e se eu não conseguir prender o cinto de segurança, como sempre na vida, e passar por uma turbulência e quebrar o pescoço ao bater no teto, pois era gorda e estava frouxa? E se o avião cair por minha causa? Pior ainda, e se tiver uns três obesões no avião? E se, antes de tudo isso ter oportunidade de acontecer, não me deixarem embarcar por ser obesa?


Eu não quero ser obesa e quero muito embarcar para o meu grande plano de futuro. Eu vinha tomando isso como incentivo pra continuar emagrecendo e vou voltar a me apegar nisso, nessa nova jornada de reação que se inicia.

"Esteja em forma. Jovens esbeltos têm as melhores chances de sobreviver a um acidente de avião. Enquanto as mulheres obesas têm as piores probabilidades." (Texto em Negócio Digital)

Foto por Flightglobal.com

6 comentários:

  1. Eita Folha estamos juntos nessa também. Não sei se é por se colocar no lugar do outro e não querer incomodar ou talvez por parecer que a obesidade é uma doença que é transmitida pelo contato, juro que já me senti assim, eu também fui me limitando, o engraçado que até hoje eu tenho que explicar para pessoas próximas que muitas vezes acham isso tudo uma bobagem. Ainda não estou preparado para me abrir totalmente sobre este assunto, mas em breve comentarei também e você vai ver que tenho muitos pontos em comum com a sua história. Mas por enquanto este é um ponto fortíssimo de motivação. Vamos juntos.

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  2. A diferença é mesmo mal acolhida nesta sociedade. Ou somos cópias todas iguais ou cai fora! Um grande beijinho, Folha!

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  3. Mais pessoas precisam escrever como você, Companheira! É assim que o outro passa a ter mais consciência de nossas diferenças. Enquanto o outro vê e repara em nosso "defeito", esquece-se do seu próprio - muito cômodo acusar.

    Beijo incentivador.

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  4. Por acaso aviões metem-me um bocado de medo... Pode ser irracional, pode ser seguro (e quantas vezes o meu primo-andador-de-avião me espetou com esttísticas na cara), mas eu tenho medo. Acho que é por causa da impotência e da isolação - um acidente de carro é assustador, mas ter problemas ano ar deve ser aterrorizante.
    Essas percentagens parecem altamente precisas :P
    Por acaso ainda hoje falei sobre esse assunto (e sobre o Brasil).
    Uau, que comentário cheio de ódio! Não percebo a «revolta» das pessoas... Parece que guardam aquele odiozinho de estimação, um sentimento foleiro com uma justificação que provavelmente não é de todo exterior.
    Comboio é giro, mas nunca ando. Acho que na minha vida andei 2 vezes. Não é prático para o dia-a-dia, só se for viagenzinhas.
    O que é uma «roleta»?... estive a ler o texto e mesmo assim não percebi :P
    Inverdade, adoro essa palavra!
    Que entusiasmo na frase do trem :P trem é uma palavra muito mais gira do que comboio ;)
    Acredito que tenha sido um bocado embaraçoso... Mais do que doloroso. Há sempre gente pronta a julgar e rir dos outros, dizem que é divertido.
    É curioso como os receios atingem as mais variadas coisas. Claro que há uma história, há sempre uma história. E tantas assim... Acho que toda a gente tem alguns «medos» que podem parecer estranhos mas são justificados. É uma pena que tenhas ganho esse «medo» de autocarros... Espero que esteja melhor agora que estás mais elegante :D
    (Na minha família gostam muito de usar a palavra «elegante» como eufemismo (será eufemismo mesmo?) de magro :P é lisonjeador, até.)
    Se eram teus amigos não iam gozar, mas claro que dá sempre vergonha. Em teoria não nos importaríamos com o que os outros pensam, mas nunca é bem assim.
    Realmente «banco de obesos» tem uma conotação desagradável, parece que obriga as pessoas a «assumir» que o são e... não sei, é constrangedor. Não que tenha mal, acho que fazes bem em aproveitá-los... Só acho que não deve ser fácil fazê-lo para toda a gente.
    haha «espaço para uma pessoa malnutrida» :P
    «Vou criando um câncer no banco de trás» tens imensa piada :P
    17000 numa viagem? :O
    Não penses assim... Não sei qual é a história do homem que foi proibido de embarcar por ser obeso, mas não vão andar a excluir com base no IMC a torto e a direito. E de certeza que não vais fzer um avião cair.
    Plano de futuro com aviões? Que giro :P haha
    (Também gostava de viajar, mas... Não sei. Nunca o fiz muito :P)
    As estatísticas assim estão sempre um bocado estranhas. Não sei qual é a amostra, claro, entre outras coisas, mas deve ser por uma questão de saúde, que normalmente é maior nas pessoas mais magras em comparação a obesos.
    Fico feliz por ires superando esse medo :D e força para emagrecer, quer seja para andar de avião quer seja para outra coisa qualquer!

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  5. É bem complicado né, até porque mesmo pra uma pessoa considerada saudável andar de avião já é incomodo, devida a grande quantidade de acentos, muito próximos e tudo mais. Pra quem é obeso então... é basicamente fora de opção, né? Mas não julgo as companhias aéreas de quererem cobrar por 2 acentos, porque como mostrado na foto acima, é bem complicado. Não cabe. Não tem jeito.

    Eu tive sorte de quando eu cheguei no meu maior peso eu já não fazia o uso de transporte publico, mas também nunca cheguei nos 3 digitos, que por mais que eu tivesse em uma obesidade mórbida pra minha altura, não me causaram tais constrangimentos. Catraca eu lembro de faculdade, essas coisas, mas por ser baixinha, passava sempre a área da cintura, e não da barriga, passava raspando, mas passava. Mas o olhar das outras pessoas doi mais do que qualquer coisa. O preconceito. Eu por exemplo reparo que as pessoas vigiam o que eu coloco no meu carrinho de supermercado, as opções que eu vou escolher num restaurante... É complicado... a gente tem que vencer essa tal da obesidade. Vencer as limitações que ela nos traz.

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  6. Olha, nunca cheguei a entalar de fato, mas já passei tão apertado que queria cair dura e seca ali, no chão do ônibus. Estas e outras coisas se juntaram ao meu "basta". Não quero passar por isso nunca mais na minha vida!

    Beijo gata!

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